sexta-feira, 9 de maio de 2008

Boxeur

Esta é a casa de um lutador. Um homem versátil. Estas paredes são as cordas do ringue ou as cortinas de uma boca de cena. Aqui existe uma luta de vida ou morte entre um homem e a incapacidade de escrever. Ele está no último degrau da normalidade. Está disposto – disposto não, está muito mais do que isso – está determinado a deixar a própria vida nas mãos da escrita. Refugiou-se aqui com a obsessão de colocar palavras no papel. Veio para escrever com luvas de boxe ou sapatilhas de ballet. Trouxe água para vinte dias e alimentos para uma única semana. Antes de se mudar para cá mandou cortar a luz e fez o mesmo com a água da companhia. Não há gás, televisão ou internet nesta casa. Nem telefone ou telemóvel. Ele veio para desenterrar todas as letras daquele corpo delgado. Sabe que na pior das hipóteses, se tudo correr mal, se for incapaz de sair vencedor, terá de ironizar com a situação. Terá de usar o sarcasmo em si próprio e, antes do último sopro, deve deixar numa folha, a título quase póstumo, a inscrição aqui jaz um falhado.

[continua]

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