sexta-feira, 9 de maio de 2008

Boxeur

Esta é a casa de um lutador. Um homem versátil. Estas paredes são as cordas do ringue ou as cortinas de uma boca de cena. Aqui existe uma luta de vida ou morte entre um homem e a incapacidade de escrever. Ele está no último degrau da normalidade. Está disposto – disposto não, está muito mais do que isso – está determinado a deixar a própria vida nas mãos da escrita. Refugiou-se aqui com a obsessão de colocar palavras no papel. Veio para escrever com luvas de boxe ou sapatilhas de ballet. Trouxe água para vinte dias e alimentos para uma única semana. Antes de se mudar para cá mandou cortar a luz e fez o mesmo com a água da companhia. Não há gás, televisão ou internet nesta casa. Nem telefone ou telemóvel. Ele veio para desenterrar todas as letras daquele corpo delgado. Sabe que na pior das hipóteses, se tudo correr mal, se for incapaz de sair vencedor, terá de ironizar com a situação. Terá de usar o sarcasmo em si próprio e, antes do último sopro, deve deixar numa folha, a título quase póstumo, a inscrição aqui jaz um falhado.

[continua]

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Saudade

Existimos para sempre num beijo. Numa fotografia ou numa música. No coração um do outro. Ou então juntos. Eu quero.

Cat Power - The Greatest

Que alguém tome conta de mim quando eu morrer




Antony and the Johnsons - Hope there´s someone

My Blueberry Night

A baixa da cidade rejuvenesceu primeiro e embriagou-se logo a seguir. Fecharam ruas, cresceram carros noutras, e nas encerradas, houve a cor dos cursos e canções imberbes. Os livros ficaram em casa, não fazem falta, porque afinal, durante esta tarde, não se aprende nada. É assim em todo e qualquer cortejo dos estudantes.
À noite, no lado oriental da cidade, temos paz. E porque sobra espaço sem pessoas, um homem e uma mulher vão para lá esconder o pecado, o amor, a paixão, o sexo só deles como mais ninguém tem, o que queiras, como queiras.
A sala onde vai ser projectado o filme é quase e só deles. Chegam lá com um sorriso. No caminho cruzaram-se com grupos curtos e dispersos de estudantes. Conversaram:
ela - como eu queira poder voltar ao tempo da faculdade...
ele - que curso é que tiravas desta vez?
ela - não sei... tirava o que me fizesse ganhar dinheiro!
ele - então tiravas as cuecas!

Ainda sorriam quando compravam os bilhetes para ver MyBlueBerryNights. O filme é um bom disco. Tem boas músicas e uma música excelente, a deles: The Greatest, de Cat Power. De resto o filme é uma história mediana, escrita de forma sofrível, editado de forma previsível, arrastado. O filme é um bom disco com actores talentosos. Ponto.
Na sala onde o viram, há um pecado capital chamado intervalo. Aguardaram em silêncio pelo recomeço. No fim decidiram fazer uma pausa no amor. Foi cada um à sua vida. Ele levava lágrimas, não de dor, mas de compreensão. Ela saiu no papel da mais confusa das mulheres.